Na minha rua morava uma rapariga a quem chamavam estranha. Ela não respondia, por isso eu tinha a certeza que não era esse o nome da rapariga. Dava erros de ortografia e mandavam-na ao quadro de ardósia escrever cem vezes, acento e assento e a professora gritava-lhe, que medíocre és, mas eu tinha mais uma certeza, a de que medíocre ela não era, pois desenhava pássaros nos vidros da janela e eles voavam quando a campainha tocava e ninguém via os pássaros da rapariga, apenas eu, porque era a última a sair. Duas ou três vezes por ano obrigavam-nos a escrever, o que queres ser quando fores grande. Eu já era grande e assim pouco escrevia e a rapariga respondia, bailarina, ponto final. Ficávamos de castigo sem lanchar, naquela sala virada para os castanheiros da quinta e eu desenhava no quadro umas sapatilhas encarnadas, embora fossem preto-ardósia e branco-giz. A rapariga ria e um dia calçou-as e fugiu pela janela dos pássaros. A professora marcou-lhe falta até ao verão, ignorando que já não lhe faltava nada e a mim também não.


Ballerina de Pauline  Pentony