Descíamos a rua, virávamos à esquerda e na casa das pedras morava o sr. Francisco. No vão da escada tinha a oficina e eu não sei se ele habitava a casa ou a oficina. Cheirava a cola e a couro e os sapatos velhos alinhavam-se nas prateleiras à espera das suas mãos para que os nossos pés calçados voltassem a mergulhar nas poças de água da chuva e a jogar ao avião. Mágicas eram as formas, as linhas, os martelos, as agulhas retorcidas, as caixas de graxa, os panos de feltro para fazer das botas espelhos.
Não sorria muito o sr. Francisco, mas perguntava, e lá em casa como estão? Era o sinal. Sentávamo-nos sobre um banco alto, ele entregava-nos um monte de atacadores para desembaraçar e falávamos de tudo, menos dos que lá em casa estavam. O sr. Francisco não sorria quase nada, mas sabia escutar. Quando nos calávamos, enrolava os sapatos em folhas de jornal e nós ficámos a par das notícias atrasadas. 



fotografia de Antonio Grambone